quinta-feira, 16 de abril de 2009

Do centenário de Soeiro Pereira Gomes


Escritos por Soeiro Pereira Gomes na clandestinidade, Os Contos Vermelhos narram experiências típicas ou exemplares da vida clandestina dos resistentes comunistas ao fascismo. Contam acções de personagens em situações excepcionais, porque a clandestinidade política é um estado de excepção, por um lado porque é violentamente imposta, por outro, porque aqueles que a ela se decidem, sempre minoritários, o fazem para acabar com a situação que a impõe.

São histórias que figuram homens comuns, mas portadores de uma força; histórias sobre a sua experiência física e moral do medo. Medo de ser preso, medo de falhar, medo de ter medo, medo supersticioso dos fantasmas que vêm (em parte) da infância, medo da tortura e do sofrimento físico, medo de morrer,- de perder a vida e os afectos que a tecem. Mas são também histórias sobre a força anímica, moral e política, que pode vencer esses medos. São assim, também, histórias de uma esperança. A daqueles a quem anima uma paixão histórica: a de uma luta pela liberdade que lhes aparece indissociavelmente ligada à luta por uma revolução. Há quem ache que se trata de uma esperança ingénua, equivocada, ou destinada a frustrar-se. Mas, reparem, talvez não seja muito difícil perceber que essa esperança é, nestes contos, um factor de dignidade individual e, ao mesmo tempo, algo que vem de se fazer parte de um colectivo, tão livremente escolhido que por ele se arrisca a dureza da vida clandestina e, no limite o risco de morte. Este fazer parte significa a partilha de um conhecimento de como as coisas são e de ideais de transformação, de valores e de projectos de uma mudança do mundo e da vida.

Não é preciso construir uma estética normativa para legitimar literariamente os Contos Vermelhos de Soeiro Pereira Gomes. Eles auto-justificam-se na sua comovente condição de gestos de alguém que ao dedicá-los também dedicava a (sua) vida. As suas dedicatórias são gestos político-ideológicos, é evidente, mas nisso mesmo são gestos éticos, não o esqueçamos; gestos poéticos.

Manuel Gusmão

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