sexta-feira, 5 de junho de 2009

Do acesso ao ensino superior

Na próxima semana começam as candidaturas ao ensino superior. Por isso, a Fórum Estudante publicou mais um Guia Prático do Estudante, assumindo ter «Tudo sobre o acesso ao ensino superior», nomeadamente «provas de ingresso», «empregabilidade», «vagas», «classificações», «propinas».

A publicação tem muito de meritório, sobretudo na parte que pretende ser guia de facto. O problema reside no facto de querer ser mais que guia. Muito mais, diga-se.

A empregabilidade é, nesta edição, a questão central. E Rogélia Candeias, na introdução, avisa os candidatos de uma ideia que nunca esteve, nos meus tempos de secundário, presente: «alertamos-te para o facto de que a situação que existe hoje em termos de mercado de trabalho pode ter-se alterado quando terminares o curso». Justo.

Mas logo ao virar a página, Renata Lobo apresenta «uma espécie de glossário» do novo mundo do ensino superior. E que termos surgem aqui?

«Cadeiras: Não é para te sentares, até porque em algumas faculdades vais mesmo é sentar-te no chão se a sala estiver muito cheia!» Qualquer pessoa com o mínimo de inteligência, ao deparar-se com esta realidade (e que Renata Lobo faz bem em salientar), indignar-se-á e lutará para mudar o estado de coisas. Contudo, o glossário continua e resolve de imediato a questão: «Até podes optar pelo jogo da cadeira.» Condições materiais nas escolas para quê?

«Propinas: Ui, que palavrão! Muitos já andaram nas ruas com cartazes a dizer "não pagamos", mas o facto é que vais ter mesmo de as pagar (ver bolsas...). É um valor pago pelo aluno anualmente (pode ser feito em prestações) para poder frequentar o ensino superior.» Aqui, ligam-se as propinas com as bolsas, mas infelizmente não se ligam as propinas com o referido anteriormente. Sim, se se pagam impostos, se se pagam por cima disso as propinas, o mínimo que se pode exigir é condições nas escolas. Ainda assim, de louvar a subtileza na frase «valor pago pelo aluno para poder frequentar o ensino superior», pois é mesmo disso que se trata. Invertendo a ordem dos factores, «para poder frequentar o ensino superior o aluno tem de pagar»!

«Processo de Bolonha: A Europa está cada vez mais pequena. Aboliram-se as fronteiras, há livre circulação de pessoas e mercadorias. E porque não uniformizar o ensino superior? É essa a grande meta deste processo. [...] Até 2010, será completado o Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES) e vai-se tornar mais fácil viajares para a vida profissional no estrangeiro!» Claro que isto não é sobre aqueles que, exactamente por os mais elevados níveis de ensino lhes terem sido barrados, tiveram mesmo de ir «viajar para a vida profissional no estrangeiro»!

«Bolsas de Estudo: Muitos de vocês precisam e não aproveitam as vantagens de concorrer a uma bolsa de estudo universitária.» Que é como quem diz: são tão pobres e ainda por cima gostam!...

Umas páginas mais à frente, Cátia Felício conta-nos uma história: «Quem quer pagar o curso à Carochinha, que é bonita e formosinha? E para conquistá-la e satisfazer tal pedido, o João Ratão caiu no caldeirão à procura de um tostão... Esta podia ser a história da Carochinha se ela precisasse de encontrar uma forma de pagar os estudos. Quanto a ti, não precisas de contar tostões e fica a saber que a linha de crédito com garantia do Estado é a melhor escolha para quem quer financiar os estudos superiores através de empréstimos. Mas há outras formas de pagar um curso: part-times, bolsas de mérito ou de acção social das universidades, entre outras.» Só que esta história não nos vem para contar como funcionam as outras formas de pagar um curso. Não, não. Vem mesmo é para nos convencer que endividamento antes de começar a trabalhar é que é o caminho, e que é bom não só para quem quer mas para todos em geral. Mais uma pérola...

A volta não é muito grande para chegar a esta conclusão: para um ensino superior de outro tipo, domingo votamos CDU.

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