sábado, 4 de julho de 2009

Cafés

Como certamente saberão, e apesar de ter muito mais maneiras que a maior parte das pessoas que os frequentam, não posso entrar nos cafés. Pensam que, com isso, podem cercear a minha vida social. Enganam-se.
Todavia, ficar do lado de fora dos cafés permite-me observar toda a sua intestina vida, com olhos que aqueles que lá se encontram dentro não possuem, por indiferença ou rotina.
Por isso, não reparam no ridículo de agitar o açúcar dentro dos pacotes que em segundos abrirão e deitarão fora todo o seu conteúdo, dissolvendo-o no café. Não só não reparam como já nem pensam quando mexem a colher ou abanam a chávena para esfriar a bebida, que, como eles evidentemente sabem, é intragável fria.
Não vêem a dona Conceição, sentada sozinha na mesma mesa de sempre, a bebericar o seu chá e a mastigar em pequenos pedaços um scone com manteiga. Nem o senhor Alberto a sujar os cantos do desportivo com as suas mãos gordurosas, ao mesmo tempo que espalha as migalhas do folhado pela camisa.
E ouvem, como ruído apenas, a conversa repetida de tantos dias do senhor Júlio e do senhor Carlos, encostados ao balcão e empurrando a alta velocidade cálices de aguardente.
— Quem não te conhece que te compre, ó Júlio!
— Então mas não é? Vais dizer que não é...
— Fica lá com a biciclete. Não vale a pena discutir contigo!...
— Não vale a pena é discutir contigo. Vais logo abaixo à primeira...
— Ai! Mas queres discutir? Tou-te a dizer que não foi nada disso! Tu percebes tudo mal.
Enquanto tudo isto se passa, o homem atrás do balcão refugia-se na máquina do café. Abre um saco, despeja todos os grãos no depósito e enfia avidamente o nariz no saco vazio, inspirando fundo. Mesmo feito todos os dias, aquele gesto sempre é uma fuga à rotina dos outros!

2 comentários:

Ana Martins disse...

Ó Pessoa, és um cão muito observador. Nem te conheço e já gosto de ti!

Tia Isabel disse...

Sobram as esplanadas, mas certamente não tão interessantes como os interiores dos cafés...